terça-feira, 14 de junho de 2011

Os Sete Pecados da Memória - Terceiro Pecado: Bloqueio da Memória


Todo mundo sabe o que é o bloqueio da memória. O bloqueio da memória acontece da seguinte maneira: alguém lhe faz uma pergunta e você têm a impressão de que ela está na ponta da língua – ou seja, você sabe a resposta, mas não consegue evocá-la com precisão. Muitas vezes, você é capaz de dizer todas as propriedades da palavra que está procurando: a letra que ela se inicia, o idioma, palavras que rimam ou até mesmo o número de sílabas da palavra esquecida. No entanto, algo bloqueia a evocação dessa palavra.

Apesar de ser uma experiência incômoda, ela não acontece devido à transitoriedade ou distração. Pelo contrário, essa lembrança está muito bem codificada em nosso cérebro. No entanto, apesar disso, existe algo que nos impede de acessá-la com precisão.

Durante o bloqueio, uma outra informação invade o espaço da informação procurada, impossibilitando sua recuperação.

Por exemplo, suponha que você deseja lembrar-se do nome do filme “A ilha do medo”, protagonizado pelo ator Leonardo DiCaprio. Você consegue resgatar a história completa do filme, lembra-se que o outro ator se chama Mark Ruffalo, lembra-se que o número do paciente desaparecido no manicômio é o 67, lembra-se até mesmo do final surpreendente do filme (não, não vou contar!!), mas não é capaz de lembrar-se do nome: “A ilha do medo”. Ao tentar evocar o nome correto, um outro nome surge em sua mente: “A Origem”, outro filme estrelado por DiCaprio. Você pensa: “Oras, mas ‘A Origem’ é um outro filme, não é o filme que procuro.” Apesar disso, quanto mais você tenta se esquivar da resposta errada (“A Origem”), mais forte ela fica em sua consciência.

Um outro exemplo de bloqueio é quando você chama um de seus filhos pelo nome de outro. Em seguida, percebe o erro, mas não consegue consertá-lo. Ou seja, você aparentemente se esquece do nome de um de seus filhos. Ao contrário do que se possa imaginar, esse erro ocasional não é um indício de Alzheimer: você pode simplesmente ter sido vítima do bloqueio de memória. Nesse caso, o nome de um de seus filhos bloqueou a evocação do outro nome que supostamente foi esquecido.

Costumo comparar a memória com um ursinho tímido que você encontra em uma floresta. Ao encontrá-lo, você deseja dar-lhe um abraço. O ursinho percebe sua presença, mas permanece imóvel. No entanto, ao sentir o leve toque de seus dedos, o ursinho sai em disparada, dirigindo-se para uma caverna. Decidido a encontrar o ursinho, você sai em busca dele. Passado algum tempo de busca dentro da caverna, você desiste de encontrá-lo. “Jamais vou encontrá-lo novamente”, você pensa. Decidido a fazer alguma atividade diferente, você decide pescar. Após preparar todo o seu material de pesca, você se dirige ao lago. Ao chegar ao lago, você se assenta e começa a esperar pela mordida dos peixes. Enquanto você está entretido com essa nova atividade, alguém lhe cutuca pelas costas: o ursinho. Espontaneamente, ele lhe dá um forte abraço.

Essa historinha pode parecer boba ou até mesmo infantil, mas retrata fielmente o comportamento de nossas memórias durante algum tipo de bloqueio. Durante o bloqueio, a evocação parece ser iminente: falta pouco para conseguirmos nos lembrar daquilo que desejamos. No entanto, a lembrança simplesmente não surge em nossas mentes. Além disso, a nossa memória tem um caráter sádico: quanto mais insistimos, menos conseguimos nos lembrar. A lembrança costuma surgir apenas depois que desistimos. 

Ainda me lembro de uma vez em que fui vítima de um bloqueio de memória. Estava fazendo um show de memória em um grande evento de uma empresa. Um de meus números mais famosos (e aguardados) é o da memorização da revista: pego uma revista que foi lançada no mesmo dia da minha apresentação e memorizo-a na íntegra. Em seguida, digo o conteúdo mais relevante de cada página da revista: textos, placas de carros e até mesmo a cor da roupa das pessoas nas fotos são descritas detalhadamente. Nesse fatídico dia me questionaram sobre uma das 200 páginas da revista Veja mais recente: “O que existe na página 139?”. Nesse momento, fui acometido de um bloqueio: eu me lembrava que era uma propaganda de carro. Oras, mas que carro? Caso dissesse apenas: “É uma propaganda de um carro” a platéia questionaria sobre outros detalhes da página e eu não saberia. Por ter experiência em meu relacionamento com minha memória, decidi não insistir: sabia que a situação apenas pioraria se eu fizesse isso. Tive uma idéia: relatar todo o conteúdo da página anterior: a 138. Disse para a platéia: “Amigos, a reportagem da página 138 é bem interessante e eu a descreverei antes de dizer o conteúdo da página 139”. Como a platéia já estava visualizando as duas páginas simultaneamente, a platéia não questionou. A página 138 continha muito conteúdo e eu teria tempo para que meu cérebro conseguisse resgatar a informação da página 139 – ao menos, era o que eu esperava. Ignorei meus problemas em relação a página 139 e fui descrevendo a página 138. Enquanto fazia minha descrição, surge na minha mente uma Mitsubishi Pajero prata, modelo TR4 2007, com nova frente com conjunto óptico, novas rodas em liga leve 16'', nova padronagem nos bancos, tração 4x4 super select na “promoção” por R$ 73.990,00 o cambio manual e “R$ 78.990” o cambio automático surgiu em minha mente. “Ufa, pensei enquanto descrevia o conteúdo da página 138.” A idéia deu certo. Ao final da descrição da página 138, pude calmamente descrever o anúncio da referida página sem que a platéia sequer percebesse os apuros por que passei. 

Bloqueios também acometem os estudantes. Quem nunca passou pela situação de conseguir evocar todos os detalhes sobre algum determinado tópico, menos o que está sendo argüido? Nessas situações, a melhor solução é mudar o foco de sua atenção, evitando insistir na recuperação da informação. Suponha que você teve um branco referente a alguma fórmula de análise combinatória. Caso seja uma prova de concurso publico ou vestibular, mude completamente de assunto: vá resolver a prova de português, direito constitucional ou até mesmo informática. Ao mudar completamente de assunto, aumentam as chances de essa lembrança surgir espontaneamente em sua mente. Caso você esteja realizando uma prova que tenha apenas questões da mesma matéria, matemática nesse caso, procure resolver as outras questões da prova, deixando a questão problemática por último.

Em minha experiência pessoal (jamais vi artigos científicos sobre isso), tenho a impressão de que buscas feitas em nossa memória não se interrompem com o desvio de nossa atenção. Por exemplo, suponha que você seja um nerd (como eu) e está almoçando com algum de seus amigos nerds. Em meio a computadores, mangás e videogames, surge uma dúvida: qual o nome da espécie alienígena do personagem “Jar Jar Binks”, presente apenas na trilogia mais recente de “Guerra nas Estrelas” – “Star Wars”?

“Ele nasceu no planeta Naboo! Mas sua espécie não se chama Naboo! Ele também não é um Wookiee! Essa é a espécie do Chewbacca!”, seu amigo fala.
“Tenho certeza absoluta que é um nome curto e que começa com G”, você diz.
“Não, não é Wookiee!!!!”, diz seu amigo desesperadamente.
Após uns dez minutos, vocês desistem e passam a conversar sobre algoritmos para a resolução do cubo mágico (Cubo de Rubik).

Seu dia se passa normalmente, como se você não desejasse mais saber a espécie do detestado personagem Jar Jar Binks. À noite, enquanto você está fritando um ovo, a resposta surge espontaneamente em sua mente “Gungan! Jar Jar Binks é um Gungan”.
Ainda que você não seja um aficcionado sobre Guerra nas Estrelas, esse episódio fictício ilustra o mecanismo de busca e bloqueio da memória. Ainda que você estivesse fritando um ovo, a resposta foi evocada com precisão, com o mínimo de esforço.

Assim, ao se acometer do Pecado do Bloqueio, evite insistir. Com sorte, essa memória será resgatada posteriormente, quando a ansiedade e as lembranças intrusivas cessarem.

5 comentários:

Célia Buarque disse...

Bela dica. Isso já me ocorreu quando estava fazendo prova e mesmo sem saber que estava agindo certo, mudei de questão e voltei depois, já mais aliviada. Não lembrei de todo o conteúdo mas deu para resolver a questão.

Alberto Dell'Isola disse...

Célia, fico feliz que tenha gostado da postagem!

Obrigado por compartilhar conosco suas experiências!

Abraços e sucesso!

Marcia disse...

Hum! Realmente essa dica é preciosa já me aconteceu inumeras vezes esquecer algo que eu sei, mas que não surge na hora que busco em minha memória, surge tudo ao seu em torno menos o que desejo. aff... situação problema mesmo essa, mas valeu, sua dica é mesmo preciosa. bjs e sucessooo..

Anônimo disse...

Muito legal esta postagem. Parabens. Uma vez fui sacar dinheiro da minha conta e na hora de digitar a senha deu um branco. Eu tentei lembrar e nada. Branco total! Relaxei e tentei não pensar em nada e derrepente,como um raio, a imagem dos numeros da minha senha vieram na minha mente.

Rafaeleiro da minha conta e na hora de digitar a senha deu um branco. Eu tentei lembrar e nada. Branco total! Relaxei e tentei não pensar em nada e derrepente,como um raio, a imagem dos numeros da minha senha vieram na minha mente.

Rafael

Lucas Brito de Barros disse...

Muito bom! Por diversas vezes me encontrei em situações assim!

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