quarta-feira, 22 de junho de 2011

Os Sete Pecados da Memória - Sexto Pecado: Sugestionabilidade

Imagine que você em um estádio de futebol assistindo a uma final de campeonato. Em seguida, um jogador do time adversário comete uma falta em seu campo de defesa, próximo da área. Você pensa: “Que pena que a falta foi fora da área. Caso contrário, teria sido um pênalti”. Apesar disso, a torcida do seu time começa a gritar: “FOI PÊNALTI!”. Um de seus amigos reclama: “Juiz ladrão! Foi pênalti claríssimo, o jogador estava dentro da área”. Você observa os jogadores do seu time irem em direção ao juiz reclamando do suposto pênalti ocorrido. Em seguida, você recapitula mentalmente a cena em que aconteceu a falta. Ao recapitular mentalmente a cena da falta, você tem certeza: realmente foi pênalti. Apesar de você ter “certeza”, realmente não foi pênalti. Na verdade, você sofreu as conseqüências do pecado da sugestão na memória.
A sugestionabilidade se refere à possibilidade de nossa memória ser influenciada por informações aprendidas após a codificação da lembrança. Em outras palavras: a influência de outras pessoas ou eventos pode alterar nossas memórias, criando até mesmo lembranças de eventos que jamais ocorreram.

No Brasil, um caso de implantação de memórias falsas ficou famoso na mídia: o caso de abuso sexual na Escola Base. Nesse caso, os donos da escola foram acusados injustamente de terem abusado sexualmente de dois alunos da escola. Provavelmente, as crianças evocaram falsas lembranças do abuso, implantadas pelo questionamento de seus pais e da polícia.

Diversos estudos demonstraram como é fácil implantar memórias falsas em nossas lembranças. Em um desses estudos, os pais de estudantes universitários foram questionados sobre a veracidade de alguns eventos da infância da vida de seus filhos. Após assinalarem quais eram os eventos que realmente aconteceram e quais foram inventados pela equipe de pesquisa, os filhos seriam questionados sobre a veracidade dos mesmos eventos. Em uma primeira avaliação, os filhos conseguiram identificar com bastante acurácia quais eram os eventos reais e quais haviam sido inventados pelos pesquisadores. Em uma segunda entrevista, o pesquisador sugeriu que um dos eventos inventados teria realmente ocorrido. Após a sugestão, mais de 30% dos indivíduos evocaram alguma lembrança relacionada ao evento criado pela equipe de pesquisadores.

Yumiura

Em "Yumiura", conto de Yasunari Kawabata, um escritor recebe a visita inesperada de uma mulher que diz tê-lo conhecido há 30 anos. Ela afirma que os dois se encontraram quando ele visitou a cidade de Yumiura, mas o escritor não se lembra dela. Atormentado por outros lapsos recentes de memória, ele interpreta o incidente como mais um sinal do seu declínio mental. Da aflição ele passa ao pânico quando a mulher revela o que aconteceu num dia em que ele foi ao quarto dela. "Você me pediu em casamento", lembra ela, melancólica. O escritor vacila ao refletir sobre a importância daquilo de que se esqueceu. Depois que ela sai, bastante abalado ele procura mapas para localizar Yumiura, na esperança de despertar alguma recordação. Mas nenhum mapa ou livro a cita. O escritor se dá conta então de que ele não poderia ter estado lá naquela época. Apesar de a mulher acreditar em suas memórias, tão detalhadas, emocionadas e precisas, elas eram totalmente falsas.

O conto de Kawabata ilustra como a memória pode causar problemas. Às vezes nós esquecemos o passado outras, nós o distorcemos. Recordações perturbadoras podem nos atormentar por anos. Mas também dependemos da capacidade para realizar um número impressionante de tarefas cotidianas.

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